terça-feira, 8 de agosto de 2017

Maneiras que...

Ontem ao jantar, conversámos sobre bom gosto, saber receber, boas maneiras, organização da casa, etc. É um tópico no qual tenho pensado muito porque estas coisas fazem parte de uma linguagem oculta, que muitas vezes é transmitida a cada um de nós através da família e dos amigos da família, ou seja, através de pessoas que frequentemente não são escolhidas, cuja proficiência nesse campo é o resultado de um processo longo que se desenvolveu ao longo de séculos. Nem sempre isso acontece, pois há excepções, como Gabrielle Chanel, conhecida por Coco Chanel, que fez as próprias regras de bom gosto e estilo. Chanel era filha de pais não casados: uma senhora que lavava roupa e um vendedor ambulante.

No New York Times, o David Brooks, recentemente, escreveu uma peça pela qual foi ridicularizado, em que contava um episódio pessoal. Tinha levado a almoçar uma amiga que apenas tinha frequentado a escola secundária e que ficou intimidada quando o local de almoço escolhido foi uma requintada deli italiana, onde as sanduíches tinham não só nomes (Padrino, Pomodoro), como ingredientes "obscuros" para muitos, como capicollo, soppressata, etc. (Como curiosidade, quando a série "Os Sopranos" começou a ser exibida, capicollo (ou capicola) e a forma como Tony Soprano pronunciava a palavra (gabagool) ficaram famosos.)

Há quem ache de mau gosto que Brooks tenha incluído o episódio e o próprio acto de sentir pena da pessoa que não conhecia o menu pode ser visto de várias formas: para uns, ter pena é em si um comportamento elitista; para outros, a pessoa não merece pena, pois há quem tenha vindo de origens humildes e consiga navegar um mundo sofisticado. Na Vanity Fair, o Warren Report menciona Rich Neimand, que apresentou o seu caso pessoal:

"I went to public schools in California when taxpayers cared about all children. I had good teachers in good schools with majority minority student bodies. I went to a great community college and was able to transfer to UCLA after two years. Then I had bosses who saw some raw talent in me and stuck with me to refine it touchingly, they made a point of teaching me how to eat in restaurants and have business meetings, lunches and dinners."

"I saw how important it was to read, keep up on food trends and try to evolve as society evolved. Now I am supposed to feel bad because someone is intimidated by the term mortadella and can't take a chance on finding out that it’s a fancy ass name for Oscar Meyer bologna? Someone who can’t risk an upset stomach to have lunch with a columnist from The New York Times?"

Fonte: Warren Report, Vanity Fair

No relato de Neimand, é saliente o papel que ele atribui aos seus professores e patrões que o moldaram e o ajudaram a imiscuir-se num contexto social em que ele era efectivamente um estranho, ou seja, ele próprio reconhece que teve ajuda e que foi a iniciativa de outras pessoas, e não apenas a sua, que o educaram nesta área, i.e., foram os seus mentores. No entanto, ao ler a sua experiência pessoal, ficamos com a impressão que ele pensa que qualquer pessoa tem acesso a mentores e quem não teve mentores não os teve porque não valorizou as pessoas que o rodeavam. Esta premissa é bastante falaciosa.

Quando vim estudar para os EUA, recordo-me de ir a um evento nas cantinas universitárias onde ensinavam aos alunos etiqueta à mesa para os preparar para as entrevistas de emprego que envolvessem, como é normal, um jantar ou um almoço. Nos EUA encontram-se muitos jovens universitários que não sabem comer de faca e garfo e usam o garfo para cortar a comida. Não sei se aquele evento era uma coisa anual ou apenas foi feito daquela vez, pois nunca me apercebi que voltasse a ser repetido. Muitas vezes, os programas para estudantes são o fruto da criatividade de quem trabalha nos gabinetes que os organizam e não fazem parte de um currículo.

Um à-parte a este propósito: a etiqueta americana de faca e garfo é diferente da europeia: a faca é usada para cortar a comida, mas depois é colocada sobre a borda do prato, o garfo troca de mão, passando da esquerda para a direita, e a comida é levada à boca com o garfo na mão direita. No Wiki-how há um artigo que ensina a maneira europeia (também conhecida por continental) e a maneira americana.

Há um excerto do livro da Mireille Guilliano, "Women, Work & The Art of Savoir Faire: Business Sense and Sensibility", do qual gosto bastante e que fala do manuseamento do guardanapo à mesa. O exemplo que ela conta passou-se com uma jovem europeia e com um nível de educação alto -- o livro é de 2009, ou seja, o David Brooks não descobriu nada de novo, nem exclusivamente americano.




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