quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

A Rita Patinhas

Quando eu era pequena, gostava muito de ler livros do Patinhas e o Tio Patinhas era mesmo o meu preferido. Eu achava tão giro ele ser forreta e poupar tanto dinheiro. Mesmo depois de já ter uma conta no banco, eu mantinha uma lata de biscoitos vazia cheia de moedas. De vez em quando, passava algum tempo a contar quantas moedas tinha de cada denominação e apontava num papel, depois somava aquilo, e via quanto tinha na caixa. À falta de ter dinheiro suficiente para construir uma piscina de dinheiro, à la Patinhas, eu mantinha a minha lata de dinheiro.

Em Portugal, gostar de dinheiro e pensar em dinheiro são coisas sujas, típicas de pessoas moralmente depravadas, dispostas a qualquer coisa por dinheiro. De vez em quando, há pessoas que me dizem que eu só penso eu dinheiro. Notem que sou economista, mas mesmo se não fosse pensaria em dinheiro porque tenho plena consciência de que a minha sobrevivência depende muito de dinheiro. Quando estava em Washington, D.C., vi várias pessoas sem abrigo: um senhor que se deitou no passeio por cima dos exaustores do metropolitano para aproveitar o calor, uma senhora que se deitou, rodeada das suas coisas, num degrau largo contra uma parede, mendigos, etc.

No dia em que vi a senhora sem-abrigo a preparar-se para passar a noite estava com a minha amiga L. e disse à L. que, se eu alguma vez estivesse naquela situação, cometeria suicídio quase de certeza. A minha mãe sofria de depressão e tentou suicidar-se e eu passo grande parte do meu tempo a sair de mim e a observar o meu próprio comportamento porque tenho medo de ficar doente como a minha mãe e não sei se a depressão da minha mãe era o resultado de uma coisa genética que eu possa ter recebido dela. E é por isso que é importante para mim poupar: eu não estou apenas a poupar para a minha reforma, estou a tentar evitar cair numa situação em que possa ficar em depressão porque eu não sei como o meu cérebro funciona quando está deprimido e prefiro não descobrir. Ter poupanças permite-me sentir-me mais segura, até porque se ficar doente, terei de ter dinheiro para pagar o seguro de saúde e o médico, para além das despesas de casa.

Há um ano decidi apontar num caderno, duas vezes por mês, o valor das minhas contas poupança-reforma e das contas bancárias onde estaciono o dinheiro líquido. Depois calculo quanto aumentou a minha "cesta de ovos". Fazer este exercício regularmente ajuda-me a ter mais consciência não só do que poupo, mas também do que gasto, pois se gasto não posso meter o dinheiro nas poupanças e não aparece na contabilidade da minha cesta. E também cria aquela sensação de segurança de que estou a controlar a qualidade de vida da minha velhice. Até pode ser que as coisas acabem por correr mal, mas pelo menos sinto que dei o meu melhor e não estou completamente ao sabor da sorte.

Hoje lembrei-me de ir ver as duas contas poupança-reforma, que tenho na Fidelity, para ver o desempenho do ano passado. Numa delas, todo o dinheiro está investido num fundo de investimento com o ano alvo de reforma de 2040 e que é profissionalmente gerido; na outra conta, eu escolhi quatro fundos de investimento de forma a ter à volta de 25% em bonds e 75% em stocks, ou seja, a única gestão que fiz foi escolher as áreas onde investir e os fundos. Gosto muito de fundos que tenham baixos custos de gestão, em especial de fundos que imitam índices, como o S&P 500 ou o Nasdaq 100. Um outro critério que tenho é tentar escolher fundos que não estejam muito correlacionados uns com os outros.

Há pessoas que preferem escolher acções individuais, mas eu acho essa estratégia muito cara e arriscada para pequenos investidores como eu porque demora muito tempo a diversificar o nosso portefólio e cada vez que compramos acções temos um custo de transacção, logo um bom fundo tem custos mais baixos e diversificação mais alta imediatamente. E depois tem outra vantagem: os gestores dos fundos têm acesso a muito mais informação do que nós e os fundos onde eu invisto estão sujeitos a um processo exaustivo de "due dilligence" nos EUA. As flutuações de mercado não me incomodam muito, o que me preocupa é que o fundo não vá ao ar porque o meu objectivo é reter o fundo a longo prazo.

Em 2015, as minhas contas na Fidelity quase que ficaram estagnadas, mas em 2016 a que tem o fundo com o ano alvo de reforma cresceu à taxa de retorno anual de 8,7% (como referência, nos últimos 10 anos, que incluem o crash de 2008, este fundo cresceu a uma taxa média anual de retorno de 4,34%) e a que tem a mistura de fundos que eu escolhi cresceu a 13,9%. Ah, fiquei feliz... Mas este ano estou a contar com uma pequena correcção no mercado, o que dará jeito porque ainda estou a investir. Como meto sempre a mesma quantia na conta todos os meses, quer dizer que quando o preço de um fundo está alto compro menos quantidade e quando o preço está baixo compro mais, o que reduz o custo médio do meu investimento, um efeito a que os americanos chamam de dollar-cost averaging.

9 comentários:

  1. Estou a pensar começar uma estratégia semelhante: comprar um EFT que replique o S&P reforçando em anos negativos... (eventualmente juntar também EFTs para o NASDAQ, DAX e SHANGAI)

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    1. Agora está próximo do pico. Podia-se ter uma regra em que se reforçava se estivesse próximo do mínimo das últimas 52 semanas, ou qualquer coisa parecida. Há vários fundos que imitam o S&P 500, certifica-te de que os custos do que compras são baixos.

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  2. A aplicação mais conservadora do Brasil, um mero depósito a prazo, garantida por um fundo de garantia de depósitos, sem comissões de gestão, sem comissões de transacção, sem sobrecomissões, sem analistas, sem algoritmos, sem HTF, sem passar por fundos e contafundos, rendeu cerca de 45% em 2016.

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    1. Se inclui conversão de moeda então essa aplicação poderá ser descrita de diversas formas, mas nunca como conservadora. O risco cambial é imenso.

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    2. Será que o NG investiu todo o dinheiro em depósitos a prazo no Brasil em 2016, já que era um investimento tão supimpa?

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    3. Foi. E em 2011 investi em obrigações do tesouro portuguesas e em 2007 em opções de compra de soja. Numa gaveta da secretária tenho dinheiro pronto para investir e na outra uma bola de cristal. Ou um papelinho escrito com um conselho da avó a dizer: vai atrás de quem perde não vás atrás de quem ganha, que é mais ou menos a mesma coisa. :)

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    4. Era a pergunta que se colocava, dado que depois das coisas acontecerem, todos somos especialistas. Quando invisto, não sei o que vai acontecer, mas tento não lixar o plano todo, nem dar tiros nos pés.

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  4. É a mais conservadora no Brasil. Não é a mais conservadora para quem vive em euros ou dólares, claro. Apesar de muitas aplicações classificadas como menos arriscadas terem levado a perda total, ou perto disso. Mas onde há risco há oportunidade. Aplicações mais arriscadas ofereceram ainda mais rendimento. Por isso o fundo BPI que investe em acções brasileiras foi o melhor do ano passado, em Portugal. Valorizou 74%.

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