quarta-feira, 20 de julho de 2016

História gótica


94. Não há gatos no castelo negro. Nem sequer gatos pretos. Cosmin encarregou-se de expulsá-los e no castelo as ratazanas prosperam.
Estão por todo o lado, insolentes e com a audácia dos números. Não interessa quantas possam ser exterminadas, muitas mais tomarão o lugar delas. Só os gatos conseguiam limitar a multiplicação destes roedores vorazes, mas os gatos tinham deixado o território à sua total disposição. Para mais era um território com alimento abundante e muitos refúgios onde dar à luz ninhadas e ninhadas e ninhadas. Pequenas ratazanas acompanhavam as grandes e aprendiam a desfigurar móveis e tapetes. Toda uma educação lhes era dada nas artes destrutivas. E eram aprendizes aplicados que rapidamente se tornavam mestres argutos. Novas gerações de bichos jovens com dentes afiados e muito apetite iam inundando túneis, salas, corredores e quartos já sem necessidade de se encostarem a paredes sombrias. Não queriam saber se passavam despercebidos, tal era a desfaçatez. Desde a expulsão dos gatos não sabiam o que era o medo. Cosmin não os tinha expulsado por qualquer inimizade secular entre as duas espécies. Obedecia, nada no castelo era feito que não fosse obedecer aos senhores, que tinham também a sua hierarquia. A Condessa de Ecsed ordenara a expulsão. Detestava gatos, eram demasiado tranquilos. Não participavam dos horrores dos lugares altos e baixos do castelo. Eram aliados daquela gente da cozinha, porque a cozinha era onde se sentiam em casa. Nunca queriam levar a cabo as tarefas de que tentava encarregá-los. Atormentavam os assassinos com golpes de consciência. Ainda que lhes arrancassem um olho. Mesmo enforcados. Emparedados até. Era esta a característica dos gatos que mais incomodava a Condessa, que a olhassem de frente, por vezes até de cima. Não porque a Condessa receasse a tortura de uma consciência pesada, os habitantes do castelo não eram sentimentais. Mas porque olhá-la de frente era lembrar-lhe que havia poderes maiores do que os seus. Poderes que podiam privá-la dos prazeres da criação sangrenta. Não seria aniquilada, mas de que valia uma existência sem a manifestação daquilo que se é. Da natureza, da vocação. De que valia uma existência inautêntica. Falsa, espúria. Antes ser como as ratazanas que cumprem sempre o seu destino animal mesmo quando são destruídas. Como se disse, o seu reino é do mundo da devastação. Sabiam, sem plano e sem sistema, que sairiam vencedoras naquele lugar cheio de oportunidades de dano. Com excepção dos senhores, nada havia que não fosse comestível. Deixariam Cosmin para o fim.

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