sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Parar à porta

Escreveu Carlyle “Invent the printing press and democracy is inevitable”. Se, além da imprensa, acrescentarmos os caminhos-de-ferro, o telégrafo, a indústria e a concentração da população em centros urbanos, então alguma forma de governo democrático é inevitável, concluíram outros autores. Não por acaso democracia e Estado-nação passaram a estar associados a partir do século XIX. Por exemplo, o psicólogo social francês Gabriel Tarde escreveu um interessante ensaio intitulado “As leis da imitação” (1890). O homem tem uma tendência irresistível para imitar os outros e, com as tecnologias, essa tendência acelera imenso, não só entre indivíduos, mas também entre Estados. Tarde, à semelhança da maioria dos autores da época, transpirava optimismo e falava mesmo numa "pacificação final" graças aos jornais. Isto não o impediu de concluir que, devido às diferenças linguísticas, os jornais iriam parar sempre à porta das fronteiras nacionais. E, voltando ao Carlyle, se os jornais param à porta de cada país, a democracia também pára.

8 comentários:

  1. Uma questão interessante: mesmo num mesmo país/cultura actualmente os sucessores dos jornais (a Internet/TV) "param à porta" de cada casa, no sentido de que é possível a cada casa limitar a visualização destes meios apenas àqueles que lhes interessam (caso mais visível nos EUA a audiência da Fox não tem nada a ver com a audiência da CNN, por exemplo, e mesmo em Portugal será difícil encontrar muita gente de que leia/veja simultaneamente o Correio da Manhã/CMTV e o Público/RTP2). Isto significará que a democracia também para à porta destas casas?

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. A sua questão é rebuscada, mas não, numa democracia cada um lê, vê e ouve o que lhe interessa, por isso é uma democracia. A questão é outra. Por exemplo, em Espanha (para não irmos mais longe) ninguém lê o Público e o CM e nenhum espanhol vê a CMTV e a RTP 2. Estes meios de comunicação param todos à entrada de Badajoz e Vilar Formoso. É esse o meu ponto.

      Eliminar
    2. Deixe-me justificar a minha posição. A questão não é demasiado rebuscada (penso) porque o sentido de "demos", de pertença comum, é formado em parte justamente pelas experiências partilhadas.

      Se dizemos que a diferença em termos de meios de comunicação é suficiente para limitar esse sentido de pertença comum (porque os meios de comunicação são diferentes entre comunidades linguísticas), o mesmo não poderá ocorrer se a diferença for ao invés devida a afinidades culturais/politicas e não linguísticas?

      Eliminar
    3. Acho que tem razão. Há países que têm a mesma língua e que se mantêm autónomos. A ideia daqueles pensadores do século XIX é que os mass media ajudam a criar um espírito nacional. Antes os assuntos públicos eram todos locais, não havia quase contacto ou ligação entre as diferentes vilas e cidades relativamente próximas. A imprensa (graças à tecnologia) ligou diferentes comunidades, que antes não se conheciam. Todavia, Tarde ( e outros) achavam que a expansão desse espírito ou alma nacional estava limitado pela língua - a maioria dos franceses não podia ler jornais alemães, logo nunca se poderia sentir ligada aos alemães. De acordo com a lógica de Tarde, no dia em que muitos portugueses lerem o El pais ou o El mundo talvez possamos começar a pensar em juntar os dois países numa democracia. Sem isso, sem esse espírito comum, qualquer união seria sempre à força e antidemocrática

      Eliminar
  2. Os jornais espanhóis não têm investido em Portugal porque o mercado é diminuto. Por isso, por exemplo, o El Pais preferiu dar prioridade a uma edição Brasil e a uma edição Américas. Jogada de mercado e de estratégia de expansão de influencias que deste lado já não se vê quem tenha pernas para acompanhar.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigado pela informação NG, não sabia desse pormenor do El país ter investido no Brasil, é interessante.

      Eliminar
  3. É, José Carlos Alexandre, as coisas não acontecem por acaso. Veja bem. Noutro exemplo, enquanto por aqui jornalistas e Banco de Portugal brigam para ver quem dá a estocada final nos últimos Bancos combalidos que entrem na praça e políticos reles se engalfinham para decidir quem conduz os cabrestos que arrastarão o seu cadáver, os lucros que o Banco Santander obteve, apenas e só no Brasil, apenas e só nos últimos dois anos, mesmo com o Real a valer menos de metade do que valia em 2012, igualam a actual capitalização bolsista dos Bancos no PSI-20. Portugal está no seu ocaso.

    ResponderEliminar

Não são permitidos comentários anónimos.