sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

"e porque é que se quer tornar alemã?"

Arrasto há anos o projecto de me naturalizar alemã. Quando casei não era possível (tinha de escolher entre as duas, e achei que mais valia continuar portuguesa, porque com o meu sotaque francês nunca conseguiria convencer ninguém de que sou alemã). Quando se tornou possível ter as duas, a Europa ia tão de vento em popa que me pareceu supérfluo adquirir mais uma nacionalidade, se afinal somos todos europeus. Entretanto, surgem sinais preocupantes. A Europa parece em risco de implodir, e talvez no futuro faça realmente diferença ser português ou alemão.

Já tenho os papéis, e até já comecei a preenchê-los. O meu problema é a pergunta "porque é que se quer tornar alemã?" É uma pergunta armadilhada, podem crer! Em menos de nada dou comigo a tropeçar para dentro do chorrilho de disparates que me habita. Só me ocorrem respostas como: porque já sou, os meus amigos portugueses até me chamam alemoa. Ou: porque até já perdi amigos no facebook (sim! para que se veja a dimensão da tragédia!) por andar a defender que a Angela Merkel não é nazi como a pintam. Ou: porque sou a única estrangeira da minha família, e é muito triste quando passamos uma fronteira e o meu passaporte dá nas vistas por ser diferente. Ou: porque se for raptada no Jemen o MNE alemão paga mais que o MNE português. Ou: porque é para isso que me pagam (é verdade: uma vez, ali para os lados da terceira cerveja, os meus amigos fizeram um crowd founding, juntei 6 euros!) (de facto, 6,01 euros, porque uma antipática só deu 1 cêntimo, disse que eu estava muito bem como portuguesa, a grande antipática) (e também há a minha sogra, que quer pagar as despesas todas do processo, para haver mais um eleitor que não vota Alternativa para a Alemanha, mas tenho de prometer que também não voto Die Linke) (estou a pensar ir aos Die Linke perguntar se querem cobrir a oferta da minha sogra).

Claro que podia escrever "porque quero participar no sistema democrático do país onde já vivi metade da minha vida, etc. etc." - mas isso seria demasiado prosaico. Coitados dos funcionários públicos alemães, passam a vida a ler as mesmas frases sem graça. Soubesse eu escrever alguma que provocasse uma alegre gargalhada no cinzentismo daquele escritório!
(Soubesse eu fazê-los rir, sem me desgraçar...)
Para um dia que não tenha nada que fazer, já tenho projecto de vida: preencher formulários de modo a alegrar a vida aos funcionários públicos. Reduzo a taxa de depressão nos serviços, o pessoal até vai trabalhar mais cedo na expectativa de encontrar um dos meus formulários, a produtividade aumenta, e com sorte o presidente Gauck ainda me dá uma medalhinha no 3 de Outubro. Embora eu preferisse a do 10 de Junho, porque trago Portugal no coração e é essa a gentil pátria minha amada, e além disso os rissóis da cozinheira da Embaixada de Portugal em Berlim são extraordinários, uma pessoa fica cheia de vontade de prestar serviços de valor à pátria só para merecer um pratinho bem aviado deles.

2 comentários:

  1. Eu sabia que algures no universo tinha uma alma gémea, mas, caraças, nunca me ocorreu que fosse na Alemanha! Eu naturalizei-me Americana e, apesar de adorar os EUA, foi uma das coisas mais difíceis que fiz na vida porque obrigou-me a definir o que era para mim ser portuguesa.

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  2. Mas tens dupla nacionalidade, não é?
    (Ainda vamos descobrir que somos siamesas, vais ver)

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