quinta-feira, 9 de abril de 2015

DESEQUÍLIBRIOS POLITICO-MEDIÁTICOS E A FRUSTRAÇÃO DOS ELEITORES

Este post é baseado num artigo que publiquei no Jornal de Negócios, com ligeiras alterações.
O título tem a ver com áreas em que as expectativas dos cidadãos, eleitores, leitores, opinião pública, evoluíram num sentido que é contrastante com a evolução da capacidade de resposta do sistema político, e dos desequilíbrios e frustração que isso cria.

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Hoje há mais instâncias envolvidas em qualquer processo de decisão. As decisões demoram mais tempo a ser estudadas e implementadas. Os processos são mais complexos. As decisões têm de ser aplicadas a uma sociedade mais diversificada e móvel. Estas alterações institucionais foram acompanhadas de alterações tecnológicas e na forma de comunicar, que exigem mais rapidez, maior personalização e maior simplificação e clareza. Há aqui óbvios desequilíbrios politico-mediáticos que contribuem para um défice de satisfação com os regimes democráticos, e o acumular de frustrações nos eleitores.
Estes desequilíbrios resultam mais de alterações tecnológicas e institucionais do que da crise, ou da degradação da qualidade dos políticos ou dos jornalistas. Mas se não encontrarmos respostas, podem ser factores de degradação da confiança e do interesse pela causa pública, contribuindo de forma endógena para a próprio processo de descrédito dos sistemas democráticos.   

O défice de Tempo

Tendo o processo de decisão sido tornado mais complexo e demorado, as expectativas evoluíram em sentido contrário, com os media a pedirem cada vez mais respostas em tempo real. Hoje quando um problema é levantado, muitas vezes em resposta a um caso, exige-se resposta não numa semana ou em 24 horas, mas antes uma solução apresentada na hora.
Soluções apressadas para problemas complexos, baseadas na resposta a casos concretos, não parece ser um bom método de decisão ou de governação.

Défice de Aprofundamento e diversidade

Sendo muitos dos assuntos hoje em discussão mais complexos e técnicos, a comunicação mais imediatista que a rapidez da internet e dos diretos impõem, transforma tantas vezes as questões em preto ou branco, bem ou mal.
Os temas do momento são discutidos em muitas páginas e horas de televisão, muitas vezes quando ainda há pouca informação, substituindo-se factos por especulação. Em demasiados casos é rapidamente adoptada uma perspectiva única, muito empobrecedora, e que poucas vezes é confrontada, algum tempo depois, com uma análise mais ponderada e informada que possa mudar o que foi o veredicto inicial. Atribui-se demasiada atenção e luz ao caso da semana, faz-se um juízo definitivo, e vota-se depois ao esquecimento.
Neste aspecto há muito a explorar na tecnologia, que hoje permite ter acesso a mais informação, permitindo comparar soluções encontradas noutros países para problemas semelhantes, permitindo também acompanhar o processo e o desfecho de um problema ao longo do tempo. É importante, que aos casos a que se dá importância, se procurem diferentes perspectivas e se crie uma cultura de acompanhamento, de persistência, de especialização dos jornalistas, que aumente o valor que podem acrescentar à interpretação que vá para além da espuma dos dias. No entanto, o maior numero de publicações que há hoje, corresponde a redações mais pequenas e menos especializadas, o que significa que há hoje menos capacidade (e tempo) para acompanhar um número maior de assuntos. 

E de capacidade de decisão isolada

Numa entrevista na SIC (O valor da Liberdade), Dani Rodrik relembrou as suas teses sobre a forma como a globalização, ao mesmo tempo que contribui para aumentar a liberdade individual, limitou a liberdade de escolha colectiva dos estados nacionais. Nos países europeus não foi apenas a globalização. O processo de construção europeia transferiu também muitas decisões para o nível comunitário.
Ao mesmo tempo que a capacidade de decisão se diluiu por várias instâncias, aumentaram as expectativas e a personalização da política. Um processo contraditório, mas compreensível. O reforço da necessidade de personalização, resulta da própria complexidade e sentimento de diluição da capacidade de decisão. Mas o resultado é criar expectativas difíceis de cumprir. 

As pessoas esperam hoje que cada politico apresente pessoalmente soluções claras, imediatas e concretas sobre o que vai fazer, num contexto em que as decisões são complexas, exigem respostas coordenadas entre várias entidades e têm tempos legais de implementação longos. 

Não há soluções fáceis para estes dilemas. Mas é importante salientar que o facto de as decisões serem mais complexas, exigirem negociações e demorarem mais tempo a ser implementadas, não deve servir para fundamentar a ideia de que nada se pode fazer ou mudar. Pelo contrário, a mudança é possível e deve ser assumida em compromissos claros sobre as posições a adoptar. Mas a sua implementação exige maior estudo sobre as escolhas a fazer, e um rumo claro, que permita a persistência necessária para conseguir neste quadro e neste tempo institucional fazer vingar as nossas posições.

No que diz respeito aos meios de comunicação é importante equilibrar espaço de actualidade com espaço de análise e saber acompanhar ao longo do tempo, assuntos que só terão solução ao longo do tempo. Cada vez mais, os leitores exigem que os media se adaptem respondendo à tecnologia, com informação imediata, mas devem exigir também, respondendo às mudanças institucionais e não indo apenas atrás da tecnologia, criando o seu tempo para análise, para reportagens mais longas e fundamentadas, e para acompanhar os temas ao longo do tempo. Quem o fizer pode trazer um enorme valor acrescentado, exigindo mais de quem nos governa, e contribuindo para uma discussão que melhore o processo de decisão, nos vários níveis de governação. Não podemos deixar que os défices aqui assinalados sirvam apenas para alimentar uma frustração difusa que mina a confiança na democracia.

1 comentário:

  1. Clap clap clap

    Assinaria por baixo se para tanto me chegasse a reflexão.

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