segunda-feira, 14 de abril de 2014

ACERCA DA ARTE DA ESCRITA LITERÁRIA 
UM MODO DE ARREDAR A VERBORREIA ECONÓMICA 
QUE NOS TEM DADO CABO DAS ESTATÍSTICAS MENTAIS

Cristóvão de Aguiar          

Ao embrenhar-me há dias na leitura de um texto que serviu de padrinho de bap­tismo a um livro meu, fiquei com a sensação de que um escritor, como eu, pouco sabe acerca do que lhe sai da pena, ou da tecla, ou da ima­ginação, ou da memória afectiva, ou de todas elas congrega­das… Quem se dedica à es­crita vai sulcando a página ou a pantalha do computador com mais ou me­nos lenteza, com mais ou menos fadiga suada, epónimo da romântica inspi­ração…

A actividade escritural requer entrega e muito esforço. O escritor es­creve sem cuidar se uma frase necessita de uma metá­fora, de uma hipálage, ou de outra qualquer figura de estilo… Já imagina­ram Camões, no acto de escrever os Lusía­das, pensar de si para consigo: “Agora tenho de incluir uma sinédoque neste verso: por exemplo, Ociden­tal Praia Lusitana, em vez de Portugal, sempre fica mais profundo e neste momento não me ocorre nenhuma rima em al, além de que estas malas-artes poderão vir a consumir as cabecinhas dos futuros alunos do quinto ano do Liceu antigo, sempre que o professor mandava interpretar as estâncias ou dividi-las em orações…”

A Camões não poderia ocorrer tão maus pensamentos, palavras e obras. Aconteceu que essas malas-artes nasceram a partir da escrita, assim como a anatomia surgiu muito depois do corpo humano. Compete, portanto, ao bom crí­tico hermeneuta ir desvendando as malhas com que se tece a escrita, conscientizar o que porventura pertencia ao reino do inconsciente, traçar as linhas que conduzam a uma melhor compreensão do texto, para que tam­bém o escritor possa entender e descobrir alguns dos nexos e asso­ciações com os quais nem sonhara no acto da criação.

Foi o que senti ao ler o texto da apresentação concebido por alguém que conhece muito bem as ferramentas que modelam a escrita, para que ela se estenda em face dos olhos com outros pormenores que ilumi­nam uma perspectiva diversa, não visível a olho nu. E assim, de achega em achega, se vai construindo uma interpretação cada vez mais aproxi­mada de um texto literário, sempre em busca de uma exegese que nunca se alcança, e ainda bem que não… Só os políticos cuidam que o conseguem, mas afundam-se!

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