terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Uma vergonha chamada PSD


Na passada sexta-feira, eu tive vergonha da democracia portuguesa, vergonha de ter contribuído com o meu voto para eleger deputados do PSD, vergonha de quem inventou um referendo por puro oportunismo político, vergonha de quem aceitou a disciplina de voto numa matéria de consciência individual, e vergonha por a co-adopção continuar a ser discutida como se fosse um assunto sobre direitos de adultos quando é, sempre foi e será uma questão básica de direitos das crianças.

Eu estou-me nas tintas para aquilo que os papás gay fazem no quarto, na sala ou na cozinha – acho apenas justo, obviamente justo, escandalosamente justo, que uma criança que é criada por um casal homossexual, e que, em termos legais, só está juridicamente vinculada ao progenitor biológico, possa ver essa protecção alargada ao outro membro do casal, de forma a permanecer na família e manter as suas relações afectivas se acaso o pai ou a mãe biológica lhe faltarem. Por mim, a nova lei até pode ser mais uma movimentação do lóbi LGBT para conquistar o direito de adopção, substituir a bandeira portuguesa pela bandeira do arco-íris e, de caminho, inserir a sodomia no hino nacional. Eu não quero saber do lóbi LGBT. A mim, o que me interessa – a única coisa que me interessa – é que esta é uma lei justa para aquelas crianças. Vou repetir várias vezes, a ver se toda a gente consegue fixar isto. Crianças. Crianças. Crianças. Não adultos. Crianças.

Quem é contra isto, ou acha que é matéria digna de referendo, dê por favor o passo seguinte e tenha a coragem de propor a retirada imediata de todas as crianças à guarda de casais homossexuais, para impedir que jovens portugueses sejam expostos à perniciosa influência de famílias desviantes, cuja reprodução é impedida pelas leis de Deus e da Natureza. Não sei o que é que os neoconservadores do PSD estão à espera. Ou melhor, sei: estão à espera que esta palhaçada garanta votos do eleitorado mais tradicionalista, entretenha o Tribunal Constitucional com alguma coisa que não sejam cortes de despesa e empurre a esquerda de volta para as “causas fracturantes”. E para isso, vale tudo, incluindo enfiar um referendo pela porta do cavalo só para impedir a aprovação de uma lei, colocar a politiquice mais rasteira à frente dos direitos das crianças, incendiar uma bancada parlamentar, humilhar deputados e até abrir brechas na coligação. Bravo, meus senhores.

No meio de mais esta triste página na história da nossa democracia parlamentar, salvou-se Teresa Leal Coelho, pela forma como recusou estar presente na votação e se demitiu da vice-presidência da bancada parlamentar. Já deputados do PSD como Francisca Almeida, e outros como ela, que garantiram à comunicação social que tinham a “intenção de votar contra” mas depois votaram a favor, serviram apenas para nos informar que a obediência ao partido se sobrepõe à obediência à sua consciência. Lamento, mas isso não chega a ser coragem – é apenas uma forma lastimável de atirar para a lama a dignidade do estatuto de deputado, como ontem já aqui sublinhou Rui Tavares, e uma desobediência clara ao artigo 155.º da Constituição Portuguesa, onde está inscrita uma frase que, se calhar, convém mandar imprimir e colar nas paredes do Parlamento: “Os deputados exercem livremente o seu mandato.” Se não é para o exercerem livremente, então mais vale irem para casa. Cinco líderes de bancada chegam perfeitamente para brincar à democracia. Sobretudo a uma democracia tão rasteira quanto esta.

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