quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Sobre o que não devia estar a acontecer no ensino superior

Saiu hoje um artigo no jornal de negócios em que dou o meu apoio à posição dos reitores contra os cortes, mas saliento que o problema vai muito mais longe do que isso.
As universidades e os professores universitários nunca defenderam que deviam ficar fora do esforço de consolidação orçamental. No entanto, a Troika defendeu isso. Defendeu que as verbas para o ensino universitário e para a ciência não deviam fazer parte dos cortes. E isso reflectiu-se no memorando de entendimento. As instituições da Troika reconheceram que esta área (ensino superior e ciência) era importante para o crescimento o país, e para além disso gastava abaixo da média da UE e estava a conseguir resultados muito positivos. Tudo isto levava a defender que esta não era uma área para fazer cortes. Em vez disso o Governo cortou. Não se limitou a cortar de forma igual à média. Cortou mais do que proporcionalmente.
A melhoria do ensino superior, mesmo já com os cortes anteriores, é muito interessante. Os  resultados podem ser visíveis no aumento das publicações e das patentes, no aumento do número de alunos em pós-graduação, etc, etc. No artigo saliento que são especialmente visíveis no facto de Portugal ter sido o segundo país do mundo com maior número de entradas para os rankings das 500 melhores universidades do Mundo. O primeiro foi a China, e colados e a seguir a Portugal apenas surgem países que estão a aumentar fortemente o que gastam em ensino superior e ciência (como a Austrália, Coreia ou Malásia). 
Na generalidade dos países europeus o número de universidades nas 500 melhores diminuiu ou estagnou na ultima década. Portugal em 2006 não tinha nenhuma universidade no ranking da ARWU, e tinha apenas uma no da NTU. Hoje tem 4 no da ARWU e tem entre 5 e 7 nos rankings da NTU, números superiores por exemplo aos da Irlanda, e idênticos ou próximos dos de países de dimensão semelhante como a Finlândia, Dinamarca, Noruega e apenas um pouco atrás da Áustria, Bélgica. Ficam ainda muito atrás por exemplo da Suécia ou da Holanda.   
Neste artigo chamo à atenção de que este progresso foi feito num contexto de diminuição de verbas.
Saliento também que ao contrário de outros países que lideram estes rankings (como os EUA, o Reino Unido, a Alemanha ou mesmo países que estão a entrar em força como a China, Coreia, Austrália), em Portugal não há uma politica que premeie o mérito, em que o facto de uma instituição se tornar melhor a faça atrair mais recursos.
Nos últimos anos isso aconteceu nas verbas da ciência, mas neste campo as regras estão a ser mudadas a meio de um processo de corte de verbas, o que pode ter resultados desastrosos.
No ensino verificou-se o contrário. Se olharmos para os últimos anos o decréscimo de recursos foi mais acentuado nas melhores instituições (as com maior capacidade de atrair alunos, que fazem mais investigação, que atraem alunos com melhores notas, que têm cursos maior empregabilidade)  do que nas piores. As sete universidades que estão nos rankings tiveram todas uma diminuição do número de docentes e das transferências do orçamento de Estado, enquanto instituições que estão entre as que estão mais longe de entrar para estes rankings ou sequer têm capacidade de atrair alunos aumentaram o número de docentes nos seus quadros. 
O ministro agora propõem que as Universidades que não puderam manter académicos muito bons, nem agarrar alguns  alunos excelentes, e os viram fugir para o estrangeiro, integrem em fusões mal definidas instituições que não se conseguiram afirmar nos últimos anos. Juntando o que é bom e mau num caldo mediano. Propõem ainda o ministério que se abram mais cursos curtos, sem se definir o que isto é, nem haver nada que demonstre que há especial procura para tais cursos, quer dos alunos, quer dos empregadores.  
É preocupante. Pois em 2 ou 3 anos este Governo pode mesmo dar cabo do trabalho que muito custou a desenvolver nos últimos 20, que fez as universidades portuguesas passar de uma situação de atraso e isolamento, para uma situação de afirmação pela qualidade, que ainda tem muito caminho para andar.
Eu no meu canto vejo muita gente com determinação para continuar a andar para a frente. 
Mas de cima, os cortes e as interferências são no sentido de andar para trás. 

1 comentário:

  1. Muito bem!

    No entanto, e no que diz respeito aos laboratórios, a política de apoio carecia de reforma (não que ESTA seja a correcta) no sentido de os autonomizar em termos financeiros. É preciso ter em conta que, em muitos casos, os nossos laboratórios não passam de "agremiações" de investigadores e lhes falta qualquer tipo de estrutura orgânica efectiva.

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