segunda-feira, 30 de setembro de 2013

David e Golias, por Malcolm Gladwell

O Partido da estrada



Enquanto a nível nacional se comenta a derrota do PSD nestas autárquicas, na Estrada Nacional 14 o PSD faz o pleno:
- Maia (PSD) / Trofa (PSD) / V.N. Famalicão (PSD) / Braga (PSD).

A EN14 é uma típica estrada-rua que Álvaro Domingues tão bem caracteriza em “A rua da estrada”. Tal como o PSD actual, a “... estrada-rua é uma coisa mal amada pela mesma razão de muitas outras coisas cuja identidade é flutuante, não encontrando estabilidade por aquilo que é mas sim pelo que deixou de ser ou ainda não é. É como um híbrido. De uma mula é fácil dizer-se que tem o pior do cavalo e do burro e que é estéril. Outros dirão que terá o melhor de uma burra e de uma égua. Coitada da mula e da sua indefinição identitária.”




sábado, 28 de setembro de 2013

Graçolas de leão

- Qual é a diferença entre Braga e o Benfica?
- Braga tem o Bom Jesus.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

A CRISE, A REAÇÃO À CRISE E A DISCUSSÃO NAS ELEIÇÕES ALEMÃS

O debate eleitoral alemão trouxe uma novidade interessante. A oposição assumiu de uma forma clara uma divergência face à política de austeridade que a liderança alemã impôs à Zona Euro (ZE), responsabilizando a chanceler Merkel pelos maus resultados da política europeia em grande medida por si ditada. Esta política lançou a ZE numa segunda recessão, abrindo um enorme fosso entre o crescimento verificado nos EUA e na ZE. Situação que afectou fortemente a Europa do Sul, mas que afectou também a Alemanha, França, Holanda e Finlândia.
A resposta europeia nos primeiros anos da actual à crise foi coordenada com os EUA, seguindo linhas semelhantes, com resultados também semelhantes. A partir da crise Grega há uma inflexão de política na Zona Euro, com reflexos nas medidas de austeridade tomadas em 2011 e reforçadas em 2012 e 2013. A alteração da linha de resposta à crise foi determinada pela liderança alemã e francesa e aplaudida por muitas das lideranças conservadoras da ZE. Diferenciou-se a partir daí da linha seguida pelos EUA. Os resultados em termos de crescimento são visíveis no gráfico 1.
Entre 2004 e 2010, a linha de crescimento do PIB dos EUA e da Zona Euro confundem-se. Partindo de uma base 100 em 2004, divergem em média menos de um ponto percentual até 2010. A divergência tem início em 2011, em que a Zona Euro se apresenta já 1,2% abaixo dos EUA. A inflexão de política em 2011 e a persistência de políticas de austeridade em 2012 e 2013, revela-se de forma mais acentuada em 2012 e 2013, com a diferença entre o crescimento dos EUA e o da Zona Euro a abrir um fosso de 4 pontos percentuais, em 2012, que se deverá alargar para os 7 pontos percentuais, em 2013, e continuar crescer em 2014, de acordo com as previsões da União Europeia.
Este fosso significa que, em 2013, a Economia dos EUA estará já 5% acima do nível de produção anterior à crise, enquanto a Zona Euro estará ainda cerca de 2,5% abaixo do valor que registava em 2008. Um fosso que se reflecte no desemprego,  que sendo semelhante nos dois blocos em 2010, desceu já até para 7,4% nos EUA e continua a subir na Zona Euro, em que está já acima dos 12%. As escolhas políticas têm consequências.
A queda do PIB afectou de forma mais acentuada os países do sul da Europa, deixando a ideia de que estes foram os únicos países prejudicados pelas opções políticas tomadas. Internamente a chanceler alemã conseguiu durante muito tempo vender a ideia de que tinha conseguido isolar a Alemanha das consequências da tempestade na Europa.
No entanto, os dados desmentem esta tese, sugerindo que os países do centro da Europa também estão a ser afectados. Nos dois últimos anos houve uma forte redução nas taxas de crescimento não só dos países do Sul da Europa, mas também da Alemanha, França, Holanda e vários outros países do Norte da Europa.
A oposição alemã tem razão em criticar o legado da Chanceler Merkel. A Alemanha também está a pagar, em perda de crescimento, o preço da austeridade que impôs à Zona Euro. O peso do seu sector exportador e a redução de juros que conseguiu atenuaram estes efeitos, face ao Sul da Europa, mas no fim uma verdade simples impôs-se: O que é mau para a Europa não pode ser bom para a Alemanha.
O fosso de crescimento entre os EUA e a ZE deverá manter-se em 2014. No final de 2014 a Zona Euro deverá ter uma diferença de PIB, face à que teria se tivesse uma evolução semelhante à dos EUA, de 6 a 7%. No caso da Alemanha, o diferencial será de apenas 3 a 4 pontos, e no da França deverá ser de 5 pontos percentuais. Estes valores traduzem-se em perdas de PIB acumuladas ao longo de 3 anos de 1400 mil milhões em toda a Zona Euro (mais de 8 vezes o PIB português e mais do dobro da divida conjunta da Grécia, Portugal, Irlanda e Chipre). Destes, mais de 200 mil milhões perdas de PIB da Alemanha e 250 mil milhões na França. Perdas de PIB que decorrem da diminuição da procura e do desperdício causado por milhões de trabalhadores parados no desemprego.
Não defendo que a Zona Euro devia ter seguido a mesma política dos EUA. Deveria ter seguido uma política mais moderada. Mas entre o 8, do exagero de austeridade europeia, e o 80 do expansionismo dos EUA, havia soluções mais equilibradas que teriam evitado uma parte importante das perdas e teriam contribuído para uma mais rápida reconquista da confiança nos países da Zona Euro.
Angela Merkel deverá ser reeleita no próximo dia 22. Mas a realidade dos números e o legado de divisão que criou na União Europeia já não podem ser escondidos e estão hoje a ser criticados dentro da própria Alemanha. A Alemanha é um país com responsabilidades nos períodos mais negros da história recente da Europa. Mas é também um país que, com justiça, se pode orgulhar do papel que teve na construção europeia, e de ter conseguido aproveitar o apoio que teve a seguir à segunda guerra mundial para se desenvolver e tornar na maior economia do continente. É esta Alemanha com orgulho no seu papel e nas suas responsabilidades europeias que muitos gostariam de ver voltar a emergir depois destas eleições.

Artigo publicado antes das eleições alemãs no Jornal de Negócios

Manuel Caldeira Cabral – Departamento de Economia - Universidade do Minho

Gráfico 1 – Fosso entre crescimento na Zona Euro e EUA


Evolução do PIB na Zona Euro e nos EUA. Base 2004 = 100.


Gráfico 2 – França e Alemanha também foram afectadas pela austeridade
Taxas médias de crescimento do PIB em cada período.


terça-feira, 24 de setembro de 2013

Ainda a escolha para presidente do Conselho Científico das Ciências Sociais e Humanas da FCT

Há dois dias, a propósito da presidente do Conselho Científico das Ciências Sociais e Humanidades, Eugénia da Cunha, escrevi uma piada despretensiosa. Basicamente, há muita gente a queixar-se que a nova presidente se especializou em Antropologia Forense, dedicando-se a estudar ossadas. Tendo seguido há uns anos uma série policial em que a actriz principal é, ela própria, uma antropóloga forense, a piada era fácil e inevitável. Apercebi-me, graças a algumas reacções nos blogues e no facebook, que a piada foi interpretada como uma crítica à nova presidente. É uma interpretação errada. Como não conhecia a senhora, e para não ser injusto, fui agora procurar saber um pouco mais sobre ela.

A verdade é que a minha piada era uma caricatura, mas, afinal, uma caricatura nada ridícula. Graças a Paulo Guinote, descobri uma conferência proferida por Eugénia da Cunha. Nela podemos ver Eugénia a falar nos ferimentos dos guerreiros de séculos passados, mas também de como os ossos são importantes para identificar crimes contra a humanidade actuais, dando mesmo como exemplo um trabalho de reconhecimento de um cadáver numa vala comum em Timor-Leste. Apenas consigo descrever este tipo de investigação como fascinante.

Lembram-se de há uns tempos haver uns historiadores que pretendiam abrir o túmulo de Afonso Henriques? Queriam estudar as suas ossadas e verificar a veracidade de alguns “factos” da História do nosso primeiro rei. Na altura, à última da hora, os trabalhos foram impedidos por ordem do governo central. Era a Eugénia da Cunha a responsável por esse trabalho interrompido sem que nunca fosse bem explicado porquê.

Disto tudo concluo que Eugénia da Cunha, que é professora catedrática na Universidade de Coimbra, é uma verdadeira investigadora na área das ciências sociais e humanas. O que há de mais social e humano do que andar a investigar crimes contra a humanidade e a estudar a História dos nossos reis. Assim, as críticas quanto à sua escolha para presidente do Conselho, argumentando que ela é de uma área científica estranha ao cargo que desempenha, são totalmente absurdas.

Fui também ver o curriculum científico de Eugénia da Cunha. Encontrei uma pessoa que já escreveu alguns livros, quer científicos quer de divulgação, o que é importante, mas, adicionalmente, encontrei também vários artigos científicos publicados em excelentes revistas científicas, sendo algumas delas revistas de referência nas suas áreas. Alguém que tem publicações regulares em revistas como Current Biology, Journal of Human Evolution, American Journal of Physical Anthropology, Journal of Forensic Sciences, International Journal of Legal Medicine, entre outras tem de ser um bom investigador.

Concluindo, não conhecendo a Eugénia da Cunha pessoalmente, tenho a dizer que, em termos científicos, é uma escolha muita acertada para o cargo.

Responsabilidades

Diz o Paulo Gorjão: 
Sim, se houver um segundo resgate foi porque o Governo falhou. No excuses, please. Se não houver um novo resgate foi porque o Governo teve êxito. Não retirar o mérito, se faz favor. Tão simples como isto.
Percebo o que o Paulo quis dizer, mas não concordo. Na verdade, Portugal estava em tão mal estado quando este governo pegou nele que era perfeitamente possível que, mesmo com tudo bem feito internamente, que um segundo resgate fosse inevitável. Aliás, logo a seguir ao acordo com a tróica, em entrevista à BBC, eu disse que os montantes acordados me pareciam insuficientes, pelo que possivelmente iríamos precisar de mais ajuda. Adicionalmente, a verdade é que a crise além de portuguesa é europeia e as indecisões a nível europeu não ajudam nada e não são da responsabilidade do governo português.
Por outro lado, o inverso também é verdade. Na actual conjuntura europeia, é perfeitamente possível o governo português fazer tudo mal e, mesmo assim, devido a uma mudança de política europeia (como por exemplo, um programa mais agressivo de compra de dívida pública do Banco Central Europeu) evitar-se o segundo resgate.

sábado, 21 de setembro de 2013

Sobre o novo Conselho Científico de Ciências Sociais e Humanidades da FCT

Há bastantes pessoas indignadas porque o novo Conselho Científico de Ciências Sociais e Humanidades da FCT tem a presidi-lo uma antropóloga forense que estuda ossadas. 
Sobre esse assunto, lembro-me de uma série de TV, que entretanto deixei de seguir, chamada "Bones", em que a personagem principal era uma antropóloga forense, que estudava ossadas. Não subestimem estas mulheres. Com base num fragmento de um osso descobrem que a arma do crime era uma lança de cobre usada pelos espanhóis no século XV e que o assassino era canhoto. 
Também há quem critique que tenham nomeado a mulher do Ministro da  Educação e da Ciência para o mesmo conselho. Na verdade, nada tenho a apontar. Para ser sincero, parece-me bem mais grave ter o marido de Luísa Araújo como Ministro da Educação e da Ciência. Isso sim, um verdadeiro desastre.

Adenda: da minha entrada é perfeitamente lícito ler uma crítica ao ministro Nuno Crato. Ela é óbvia e explícita. Quanto à piada sobre Eugénia da Cunha, a antropóloga forense, é só isso. Uma piada e nada mais. (Se teve piada ou não, é outra questão.) Não é nenhuma crítica à senhora que não conheço nem pessoal nem profissionalmente. Faço este esclarecimento depois de ter percebido que a minha entrada estava a ser lida por alguns como uma crítica a Eugénia da Cunha.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

DESANIVERSÁRIO


Tarde soalhenta da Senhora da Boa Nova. Em Sua Igreja pre­guei, ontem à noite, o sermão que me faltava para ser um não crente ungido do Senhor. Sobraram-me palavras e gestos de pão consagrado. Trouxe-os comigo e multipliquei-os em tua memória… Estendi-os no fio, a secar, e observo-os agora daqui, de frente para o Canal: Pressinto-os humedecidos do sol que se não cansa de aquecer esta saborosa solidão. Sabes, meu amor, ele já não me in­sulta os olhos e nunca me escaldou a pele enquanto teu ventre foi a se­creta e serena morada do meu não-ser à beira-ser. Dentro de poucas horas chegará a Ti Custódia, a aparadeira da freguesia, vem arrancar-me ao meu solaz bem-estar. A Banda de Música re­organizará seus tocadores já todos tão mortos e tão ossadas, e de novo tocará rua acima a mesma marcha arrebitada… Regressa da procissão de Nossa Senhora da Luz, nos Fenais. O relógio de pa­rede deixa-se de novo ador­mecer na prateleira do canto do quarto, entorpecido pela melodia afi­nada do passo dobrado que se eleva do caminho até à estrelinha do céu que minha Mãe escolheu só para mim. Vai o relógio de pontei­ros lassos des­pertar em so­bres­salto com as ba­tidas das nove ho­ras da noite desse Domingo tão arredado e cada vez mais perto. Meia hora falta apenas para que se cumpra o tempo  ini­ciará uma desati­nada cavalgada que depressa vai alcançar a meta dos se­tenta e três ba­timentos de um coração tão velho e tão hoje, só o algarismo mais pequeno pôs um acento circunflexo, re­flexivo, tudo o resto ganhou gigas de perdas e danos… Cansa­dos os olhos de te não olhar e as mãos e os dedos de te não viajar o corpo e a boca de te não beijar  re­costo-me no ombro da lem­brança das palavras cantadas ou conta­das por ti, Mãe! Com elas me embalarei e descerei os de­graus do sono. Hei-de acordar-me para continuar a ver-te através da nesga do fu­turo tão curto que ainda se não cerrou. Sinto ainda as pala­vras. Quero prendê-las e sonhá-las. Não vou consentir que se po­nham em de­bandada. Não! Em surdina, descansas-me: ainda é cedo, murmuras-me, falta-te cumprir um excedente de destino...

Cristóvão de Aguiar
Ilha do Pico, 8 de Setembro de 2013

terça-feira, 17 de setembro de 2013

A oitava e a nona

A OITAVA E A NONA AVALIAÇÕES,
ou
A OITAVA E A NONA SINFONIA BURRICAL,
ou será
A OITAVA E NONA SINFONIAS BURRICAIS?



De tantas vezes ler e, sobretudo ouvir, à guisa de matraca assassina, a expressão que me serve de título a este escrito, senti-me esta tarde de tal arte agoniado, que as torneiras do vómito se desenroscaram sem que me restasse outra opção (não cheguei a tempo de pôr as mãos nos gorgomilos) que não fosse a de lançar a carga enjoativa ao mar da carpete da sala onde leio, escrevo, ouço música, deixo cair os olhos fatigados no mar do Canal para os desfadigar e, nos interregnos, ainda ouço os noticiários televisivos nauseantes, repisados até à quintessência do Português mascavado… Alguns dos nossos locutores e jornalistas precisavam de uma quarta classe bem tirada, seguida de um exame rigoroso, com ditado e redacção, e só se passassem com boas médias a Língua Materna poderiam ser admitidos a um estágio intensivo antes de desempenharem o seu mester de informar os ouvintes e os leitores. Nem por isso deixou a Ilha de São Jorge, à minha frente, de continuar ornamentada de azul-cobalto, estriado de roxo, de verde tenro, laivado de cinzento-claro, e de outros matizes interpostos e infindos, numa mescla alucinada e alucinante de co¬res que pincel algum de pintor famoso seria capaz de capturar… Se ela os ouvisse, tingia-se de luto fechado e cobria-se de nevoeiro à espera que Dom Sebastião chegasse de Alcácer-Quibir…

Aqui, na Ilha do Pico, o tempo é de vindimas, com a crise em pano de fundo menos remoto do que se esperava. Aí, no Continente, a es­tação dos incêndios deixou há instantes de cumprir com lealdade a função para que fora destinada, matando oito bombeiros, asfixiando e desertificando boa parte deste País. Acaba de declarar por sua honra que vai cair em letargia durante algum tempo, a fim de ressus­citar com mais vigor para de novo subir ao palco da tragédia. En­quanto está hibernando, chegou a tróica para tecer outro tempo – o da Oitava e Nona Avaliações… Porquê avaliações e não avaliação? A oitava avaliação; a nona avaliação = a oitava e a nona avaliação! Se­gunda e Terça-feira, ou Segunda e Terça feiras? Primeira e Se­gunda Classe, ou Primeira e Segunda Classes? Primeiro e Segundo Sargento, ou Primeiro e Segundo Sargentos? Primeira e Segunda Trompa, ou Primeira e Segunda Trompas? Quem nos tira a plurali­dade tira-nos tudo… Até o Presidente da República, que é um barra na Língua e História Pátria, ou Língua e História Pátrias? (não nos esqueçamos do famigerado nunca fiz, não faço, nem façarei, nem da dúzia de cantos dos Lusíadas…), ele, vede bem, disse esta manhã a oitava e a nona avaliação… Paulo Portas afirma e infirma, conforme a hora, o lugar, ou a parte do dia em que é escutado. Hoje de manhã disse certo: Oitava e Nona Avali­ação; à tarde foi mesmo irrevogável: Oitava e Nona Avaliações! Afinal, tudo isto não passa de uma ques­tão de opiniães ou de avaliaçães, ou de cidadões, como disse há tempo quem sabe da poda e da política portuguesa ou portuguesas? Ao fim da tarde telefonei para a SIC-Notícias. Atendeu-me uma jo­vem deli­cada, a voz macia e segura. Disse-lhe ao que vinha. Respon­deu-me que ia passar a chamada a quem de direito. Passou. Identifi­quei-me, disse da minha justiça e pedi ao senhor de direito que transmi­tisse o meu reparo a quem tivesse poder de reunir os jorna­listas da estação e lhes dissesse como deviam dizer a expressão ou lhes desfi­zesse o erro… Que sim, mas não concordava comigo. Trata-se de duas ava­liações diferentes, daí estar certo dizer-se Oitava e Nona Avalia­ções… Perguntei-lhe se também dizia que ia ao giná­sio à Quinta e Sexta-feiras. Não, respondeu-me. E eu: não são, como as avaliações troicanas, dias da semana diferentes? Calou-se… E as­sim vamos trincando, truncando e troicando a Língua e a Gramá­tica Portuguesa e os miolos de muita gente pensadora e pensionista! Ou não será a Lín­gua e a Gramática Portuguesas

Cristóvão de Aguiar

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

O ruído das sondagens


Tal como tínhamos anunciado em entrada anterior, aqui estão os gráficos das intenções de voto dos principais partidos actualizados com as duas sondagens da semana passada.

domingo, 15 de setembro de 2013

Lavar a história

Fui ontem ver o Mordomo ao cinema. Fui pela música do Rodrigo Leão, mas também porque a luta pelos direitos civis dos negros me interessa (até pelo seu paralelo com as actuais lutas pelos direitos civis dos homossexuais). Talvez porque hoje em dia Hollywood seja Democrata, parece que simplesmente se recusam a aceitar a História. Sobre as lutas relativas aos direito civis, assisti a um tremendo branqueamento das culpas Democratas.*

A verdade é que nos anos 50 e 60, os campeões das lutas pelos direitos civis eram Republicanos e não Democratas. Ao longo de todo o filme, assiste-se a uma grosseira manipulação. A história do mordomo na Casa Branca começa com Eisenhower a ordenar que tropas federais protejam um negro que pretende frequentar uma universidade segregacionista. O presidente enviou tropas para Little Rock, Arkansas, porque o governador deste Estado deu ordens à polícia estadual para não deixar entrar o negro em causa. Como se sabe, Eisenhower era Republicano. O que não se disse no filme foi que o governador do Arkansas era Democrata. Mais grave ainda, esta atitude de um governador Democrata era comum. Em Alabama, em 1963, passou-se outro caso semelhante também com um governador Democrata.

Em 1957, quando Eisenhower tentou aprovar o que ficou conhecido como o 1957 Civil Rights Act foi obrigado a moderar bastante os objectivos do texto inicial por causa da forte oposição liderada por Lyndon B. Johnson, que, na década seguinte, seria presidente Democrata. Mesmo uma versão bastante mitigada do texto original contaria com o voto contra de dúzia e meia de senadores, todos eles democratas… Vale a pena ler esta carta de Republicano Val J. Washington dirigida a LBJ.

No filme, Lyndon B. Johnson é glorificado como um campeão da luta negra. O seu Civil Rights Act é apresentado como um dos maiores avanços das lutas pelos direitos civis. O que o filme se esquece de dizer é que o texto aprovado era, na sua essência, igual àquele que Eisenhower tinha proposto e a que Lyndon B. Johnson se tinha firmemente oposto em 1957.

Richard Nixon é tratado com bastante desprezo no filme, dando a entender que não passa de um mero racista que quer o voto dos negros. Referir que, ainda no senado, ele se tinha batido pelos direitos dos negros… nem pensar, estragaria o enredo.

Havia algo que eu esperava também ver retratado, que foi o papel das armas nos movimentos de libertação dos negros. Na verdade, quando os negros tinham de enfrentar o Ku Klux Klan (quase exclusivamente composto por Democratas) estavam duplamente desprotegidos. Estavam desprotegidos pela polícia e estavam desprotegidos porque o direito constitucional a ter arma lhes era negado. O próprio Martin Luther King, depois de um ataque a sua casa em meados dos anos 50, viu ser-lhe negado uma licença de porte de arma. Foi no fim dessa década, graças à pressão da National Riffle Association, que os negros passaram a ter o direito a usar armas. E foi nessa altura também que os homens dos capuchos brancos do KKK aprenderam que enfrentar negros armados era bem mais complicado. Até porque aqueles capuchos brancos eram alvos fáceis à noite. O declínio do KKK começou aí.

Enfim, o filme até conseguiu que Ronald Reagan passasse por racista. Na verdade, de acordo com o filme, Ronald Reagan é o primeiro presidente a ordenar que os empregados negros da Casa Branca recebam um ordenado igual ao dos brancos (que até aí era pouco mais de metade). É também o primeiro presidente a convidar a personagem principal para um banquete na Casa Branca. Mas, claro, o filme não poderia dar tais créditos a um Republicano. Logo a seguir, com a demissão do mordomo, é-nos dito que nada era sincero. Era tudo oportunismo. Mas, mais uma vez, a verdade é diferente. A própria personagem real (aquela em que se baseia a personagem do filme) já o disse em diversas entrevistas.

Não me entendam mal. Sigo a política americana desde 1992. E, se votasse, teria votado sempre Democrata. Também considero execrável o lobby da NRA contra um efectivo controlo de armas. Mas história é história e os Democratas não são campeões desta história. A história do Partido Democrata na luta pelos direitos dos negros é recente, começou com o Civil Rights Act de Johnson, em 1964, e culminou com a eleição de Obama. Mas não esqueçamos que o Partido Republicano nasceu em meados do século XIX para combater a escravatura então defendida pelo Partido Democrata.

* Sempre que usar a maiúscula para Democratas e Republicanos refiro-me a membros ou apoiantes do Partido Democrata e do Partido Republicano.

sábado, 14 de setembro de 2013

Resposta a André Azevedo Alves

O André Azevedo Alves criticou o meu artigo no Público. A crítica divide-se em três partes. Quanto aos primeiros dois pontos, em que, de facto, critica os argumentos, não tenho nada a dizer. O debate sobre os efeitos imediatos e mediatos dos cortes na despesa pública ainda está para durar e teremos mais ocasiões para os discutir e argumentar. 

Há, no entanto, uma terceira crítica que me incomodou pelo que nela está implícito. Não respondi antes por manifesta falta de tempo. O André queixa-se de que eu, no meu artigo do Público (link disponível na entrada do André), identifiquei o Miguel Morgado pelas suas funções políticas actuais — assessor político do primeiro-ministro.

Ao mesmo tempo que o nega, o André sugere que eu identifiquei as funções políticas do Miguel Morgado com o objectivo de desvalorizar a sua opinião. Não compreendo. Em primeiro lugar, eu escrevi explicitamente que respondia ao Miguel Morgado e ao João Miguel Tavares (e não a outras pessoas) pela consideração que me mereciam. Em segundo, ao identificar alguém como assessor político do primeiro-ministro, estou a valorizá-lo e não o contrário. No mundo académico somos poucos e todos nos conhecemos, mas, fora desse mundo, alguém quer saber da opinião de Miguel Morgado para alguma coisa? A opinião dele torna-se bastante mais relevante precisamente por ser conselheiro do primeiro-ministro. Esta sugestão do André é ainda mais ridícula se nos lembrarmos que, como é público, um dos meus maiores amigos e, simultaneamente, uma das pessoas por quem mais consideração intelectual tenho, é secretário de estado deste governo.

Diz ainda o André que, ao invés, eu deveria ter descrito o Miguel Morgado "como economista ou como professor ou investigador do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica". Vamos lá ver, ou o Miguel Morgado está comprometido com as políticas do governo ou não está. Se estiver, então lamento: usar os multiplicadores quando dá jeito e agora, quando se percebe que erraram redondamente, vir falar contra a sua “essencialização” é batota. Se não estiver, então devia ter criticado essa “essencialização” quando Vítor Gaspar a usava. Não o tendo feito, esvaiu-se a autoridade moral no assunto. (Se o fez, o que não creio, então o André tem razão na crítica que me faz e aqui fica o meu mea culpa.)

Para terminar, desafia-me o André a identificar o Manuel Caldeira Cabral — co-autor deste blogue — "como co-redactor de programas eleitorais do Partido Socialista". Pelo menos sempre que discuta as opiniões económicas do Manuel. Bem prega Frei Tomás: façamos o que ele diz e não o que faz. De qualquer forma, fica a promessa. Com certeza que se for adequado que o farei. E, com toda a certeza, nenhum amigo do Manuel se insurgirá contra isso.

A destreza das dúvidas e a afoiteza do passáro



Foi esta a música que inspirou o título do blogue, já com quase uma década.
Ter sempre a certeza das dúvidas (...)
Ter sempre a destreza da prática (...)
Ter sempre a certeza da música (...)
Ter sempre a clareza da fábula (...)
Ter sempre a afoiteza do pássaro (...)
Ter sempre a certeza da música (...)
A certeza das dúvidas, a destreza da prática: a destreza das dúvidas. Por via das dúvidas saber o que achar.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

A propósito das decisões do Tribunal Constitucional (II)

Ainda de Acemoglu e Robinson (2013), páginas 410-411:

 "No capítulo anterior, vimos que, no preciso momento e Franklim Roosevelt desejou usar os seus poderes presidenciais de uma forma que pensava que viria a ser benéfica para a sociedade, sem serem tolhidos pelas limitações impostas pelo Supremo Tribunal, as instituições políticas inclusivas dos Estados Unidos o impediram de pôr de lado as limitações aos seu poder. Num quadro de instituições políticas extrativas, há poucas limitações ao exercício do poder, por mais distorcido e sociopata que se possa tornar. Em 1980, Sam Bangura, à data governador do banco central da Serra Leoa, criticou as políticas do (presidente) Siaka Stevens por serem dissapadoras. Foi assassinado em breve e atirado do último andar do edifício do banco central para a rua, que tinha o nome apropriado de Siaka Stevens."


A propósito das decisões do Tribunal Constitucional (I)

Do recente livro de Acemoglu e Robinson (2013)*, retiro o seguinte episódio.
Em 1933 o presidente Roosevelt promulgou a lei National Industry Recovery Act. A lei, no seu Título I defendia que a recuperação da indústria, na sequência das quebras registadas na Grande Depressão, passaria por limitar a concorrência e aumentar o papel dos sindicatos na regulação laboral. O Supremo Tribunal, na época dominado por juízes de tendência mais conservadora, decidiu pela inconstitucionalidade da lei argumentando que “Condições extraordinárias podem pedir remédios extraordinários. Mas (…) as condições extraordinárias não criam nem alargam os poderes constitucionais.” 
Após outras leis serem rejeitadas por inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal, Roosevelt afirmou:
“Nos últimos anos quatro anos, a boa regra de dar às leis o benefício de toda a dúvida razoável foi posta de lado. O Tribunal tem agido não como órgão judicial, mas como um órgão que define políticas.”
Para contornar a oposição do tribunal, Roosevelt propôs que todos os juízes passassem à reforma aos setenta anos e que pudesse nomear até seis novos juízes. Desta forma, a administração poderia escolher juízes mais favoráveis aos planos do presidente, alterando a composição do tribunal.
Apesar do Partido Democrata de Roosevelt dominar as duas câmaras do Congresso, a proposta acabou por ser aprovada sem os elementos que relacionados com o aumento do número de juízes. Os congressistas e senadores democratas perceberam que se o presidente pudesse minar a independência do poder judicial, isso comprometeria o equilíbrio existente e a continuidade de instituições políticas pluralistas.


* Acemoglu e Robinson (2013), Porque Falham as Nações, Temas e Debates – Círculo de Leitores.

Fantástico. Que pena não votar em Gaia