quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Os livros enquanto objectos de volúpia

Neste texto apaixonado, fala dos livros como objectos de desejo, aprendizagem e tacto.
Já há uns tempos que ando para escrever sobre isto. É comum ouvir os defensores dos livros e revistas em papel argumentarem que nunca o prazer, a sensualidade, a tactilidade ou o próprio cheiro de ler um livro poderão ser substituídos por um frio ecrã de computador (ou de iPad). O livro como um objecto de prazer não pode ser trocado por um gadget electrónico.

Como eu os entendo. Do imaginário adolescente, lembram-se dos poemas eróticos que leram em papel, do Kama Sutra em noites eruditas, da literatura porno de Henry Miller ou, os mais sensíveis, de alguns livros de Anaïs. Possivelmente, ainda têm guardadas as revistas da Playboy que compraram às escondidas e leram fechados no quarto. Imagino as sensações que se despertaram com a primeira capa da Playboy que foi, nem mais nem menos, com a voluptuosa Marylin Monroe.* Claro que gostam da fragrância do papel, quase que os imagino de nariz enfiado vasculhando as páginas centrais da revista.

Só que a malta de hoje lê o mesmo género de literatura, as mesmas revistas, vê as mesmas fotos e um pouco mais de vídeos, é certo. E fá-lo na privacidade de um ecrã, fechados no quarto. Assim, os seus sentidos são transferidos não para o papel, mas para o gadgets que cumprem as mesmas funções.

Em suma, a volúpia e a sensualidade, com todos os seus sentidos, estarão lá sempre, com ou sem papel. Não se preocupem que nada se perde.


* Não percam a edição de Natal da Playboy deste ano. Promete.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Pasto fértil para ditadores

Existem ocasiões que assinalam o ponto de ruptura de um sistema político, em que os políticos deixam de ser capazes de comunicar, em que já não conseguem compreender a linguagem do povo que, por desígnio, deviam representar. Os políticos da República de Weimar encontravam-se todos a caminho de chegar a esse ponto em 1930. O crash de Wall Street em 24 de outubro de 1929 (a chamada quinta-feira negra) agravou tendências que já existiam antes.
Os 2,6 % obtidos pelo partido nazi na eleição para o Reichstag (parlamento alemão), a 20 de Maio de 1928, pareciam confirmar a exactidão dos comentadores e políticos alemães que há muito tinham vindo a anunciar o fim do movimento de Hitler. As coisas mudariam rápida e assombrosamente.
Ao brincar com o fogo, muitos políticos acabariam consumidos pelas chamas do nacional-socialismo. Sem a autodestruição do Estado democrático, sem o desejo de minar a democracia por parte dos que, em princípio, deviam salvaguardá-la, Hitler, por maiores que fossem os seus talentos oratórios e de agitador de massas, nunca teria chegado perto do poder.
27 de março de 1930 assinalou o princípio do fim da República de Weimar. A pretexto de um aumento da contribuição da entidade patronal para o fundo de desemprego de 3,5 para 4% dos salários brutos, a coligação desafinada entre o SPD e o DVP, que com a crise económica se havia deslocado para a direita, desintegrou-se. O chanceler Hermann Müller apresentou a demissão. Sucedeu-lhe Heinrich Brüning, líder parlamentar do Zentrum. As dificuldades não tardariam a manifestar-se. Na sequência de uma moção dos partidos da oposição contra o seu plano de cortes drásticos na despesa pública e de aumento de impostos, Brüning procurou, e conseguiu, a 18 de Julho de 1930, a dissolução pelo Presidente do Reich do Reichstag. A dissolução do Reichstag constitui uma irresponsabilidade absolutamente assombrosa. O objectivo de Brüning era passar por cima de um governo parlamentar, criando um sistema mais autoritário, em que a governação se faria por decreto presidencial. Brüning subestimou, e muito, a quantidade de raiva e frustração que grassavam pelo país. Os nazis nem queriam acreditar na sua sorte. Os resultados eleitorais do NSDAP subiriam vertiginosamente: 18,3% nas eleições de 14 de Setembro de 1930; 37,4% em 31 de Julho de 1932, passando a ser o partido mais votado; 33,1% em 6 de Novembro de 1932.
Os intelectuais também têm a sua quota-parte de responsabilidade pela tragédia que se viria a abater sobre a Alemanha. Muitos ajudaram a abrir caminho para o Terceiro Reich. As esperanças há muito acalentadas da chegada de um grande líder embotaram a capacidade crítica de muitos, cegando-os perante os evidentes ataques à liberdade de pensamento que eles até viam com bons olhos.
Hitler tinha a vantagem de não estar conotado com um governo impopular e sabia usar um tipo de linguagem que era compreendida por um número crescente de alemães, a linguagem do protesto acrimonioso contra um sistema desacreditado, a linguagem do renascimento e da renovação nacionais. Aqueles que não se encontravam fortemente arreigados a uma ideologia política, milieu social, ou subcultura alternativas achavam essa linguagem cada vez mais inebriante.
O presidente do Reich, o velho marechal Paul von Hindenburg, acabaria, contrariado, por nomear Hitler Chanceler a 30 de Janeiro de 1933.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

As cuecas da Madonna e a austeridade portuguesa

Comentário retirado desta notícia.
Eu sei Madonna (que não é o teu nome próprio!) que deve ter sido difícil para ti “subir ao palco de cuecas”, pois tenho a certeza que a tua equipa de produção te obrigou a tal. Eu sei que nunca farias tal “coisa” por iniciativa própria! Mas quero informar-te que nós, os portugueses, também contra a nossa vontade, mas por imposição crescente de um governo decrépito, caduco e degenerescente, com a conivência total de um presidente da república apático, trémulo e obsoleto, estamos a ficar … sem cuecas! Não! Não queremos rivalizar contigo, porque enquanto tu, Madonna, ganhas rios de dinheiro para te despires, nós sacrificamo-nos para manter a roupa que a cada dia parece querer fugir do corpo! Mas há uma semelhança, enquanto cantas quase nua és apreciada pelos teus fãs, nós os portugueses enquanto seguramos a pouca roupa que nos resta no corpo, deixamos espaço para a imaginação dos nossos governantes, para eles decidirem onde mais podem cortar, pois só assim seremos apreciados, por eles, pelo Durão Barroso, pelo FMI, pelo Banco Central Europeu, pelos banqueiros, … pelos agiotas.
Boa tournée, Madonna.
Domingos Silva

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

O "doente da Europa"

 Na sexta-feira, a influente revista The Economist considerou a economia francesa o principal risco para a zona euro, uma bomba-relógio, devido à perda de competitividade e aos crescentes desequilíbrios orçamentais. O novo “doente da Europa” apresenta sintomas alarmantes. A despesa pública representa 57% do PIB, o valor mais elevado da Europa; a dívida pública está próxima dos 90% do PIB; a economia, de acordo com a maioria das previsões, deverá entrar outra vez em recessão a partir do quarto trimestre deste ano.
Em vez das prometidas “políticas de crescimento”, Hollande apresentou recentemente um orçamento com cortes que ascendem a 30 mil milhões de euros. Como seria de esperar, o homem que prometeu liderar um combate à ” política cega da austeridade” vê a sua popularidade cair a pique. Desgraçadamente, e ao contrário do que muitos nos querem fazer crer, a austeridade não é uma opção, é uma fatalidade.

A ver aviões

No dia 9 de Novembro, o secretário de Estado Carlos Moedas esteve presente na inauguração da Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico de Beja. Ante os seus conterrâneos, proclamou: “Estou impressionado”. Compreende-se. A brincadeira, perdão, o investimento foi de 6 milhões de euros. Os laboratórios e o material são do mais moderno. Há apenas um pequeno problema. Não há alunos. O actual presidente do Instituto já afirmou que se tivesse dependido dele nunca se tinha estoirado, perdão, investido aquele dinheiro. Há quem acredite que os alunos hão-de vir um dia. É possível. Talvez venham de avião, dando, assim, utilidade ao aeroporto de Beja, onde recentemente se enterraram, perdão, investiram mais de 30 milhões, na esperança de que um dia os aviões aterrassem.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Já nem se nota quando o Presidente não faz greve

Estou a ouvir Cavaco Silva a dizer que não viu as imagens dos desacatos em frente à Assembleia da República! Não percebo, então o homem não anunciou que não ia fazer greve? Se estivesse de greve e não cumprisse as suas funções ainda teria desculpa para não ter visto as imagens em frente à Assembleia da República. Assim, não. 

Carga policial

Até ver este vídeo, considerava que as actuação policial tinha sido exemplar. Agora não. Depois de ver estas imagens -- parcelares, reconheço -- fico com a ideia de que deviam ter carregado bem mais cedo.


quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Na pele


As manifestações atravessaram hoje, com violência, toda a Europa do Sul: Portugal, Espanha, Itália e Grécia. Prevê-se que em breve cheguem a França – o desemprego continua também aí a crescer. 

O que será estar na pele dos governantes destes países?

Com a excepção do Governo italiano, que é um governo de técnicos, todos os outros foram eleitos. Mas no fundo não há grandes diferenças entre eles. Todos procuram aplicar uma fórmula semelhante. Todos são acusados de se submeterem aos ditames de Angela Merkel. Todos tomam medidas de austeridade para controlar o défice e o crescimento da dívida no curto prazo e reformas no mercado de trabalho, segurança social, etc., esperando (ou acreditando) que estas tragam de volta o crescimento no médio/longo prazo.

Mas por agora só se sente a austeridade: redução de salários e aumento do desemprego. Em todos os países, todos protestam contra os cortes impostos pelos governos: funcionários públicos e de empresas públicas, jovens sem emprego nem perpsectivas. 

Desde o final do verão que todos perceberam que o potencial crescimento está num futuro muito incerto. E desde aí as manifestações sucedem-se.     

Distribuir reduções de benefícios é difícil para qualquer político, mas é-o muito mais para políticos que foram treinados a distribuir benesses. Poder-se-ia pensar que é menos doloroso para os ‘ministros técnicos’ – mas não creia que seja. Para aqueles que saíram das academias talvez seja ainda mais doloroso o choque com a realidade.

Uma condição necessária para as actuais políticas funcionarem é os cidadãos acreditarem que elas vão conduzir aos resultados esperados. Para os governantes que acreditam mesmo no caminho que está a ser seguido estas manifestações devem causar grande angústia. Até porque como alternativa eles só vêem o caos. E é esse, de facto, o vento que hoje se sente na Europa do Sul. E arrepia.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Direcção bicéfala do BE

Como é que o BE perdeu a oportunidade de ter uma liderança bicéfala com a Ana Drago e a Joana Amaral Dias? Está para além da minha compreensão.

domingo, 11 de novembro de 2012

Prioridade do BE

A prioridade do BE é derrubar o Governo. Imagino que depois Francisco Louçã ou os novos dirigentes indicarão o próximo primeiro-ministro que deveremos eleger.

sábado, 10 de novembro de 2012

Palavras difíceis


As palavras de Isabel Jonet foram desastradas. Mas o que dizer do Governo e do Presidente da República que não conseguem falar ao país?

A intervenção de Isabel Jonet na SICN é só mais um exemplo das dificuldades de comunicar o processo de empobrecimento por que estamos a passar. Em primeiro lugar, porque são palavras difíceis que as pessoas não querem ouvir. E não querem ouvir na maior parte dos casos por não terem ainda percebido a gravidade desta crise. 

Em segundo lugar, porque é difícil encontrar as palavras certas para dizer às pessoas que elas vão ter de aprender a viver com menos e de consumir menos. Mas que ainda assim a redução do seu bem-estar pode não ser proporcional a essa diminuição de rendimento e de consumo. O Poeta/Padre/Poeta José Tolentino Mendonça tem, em diversas ocasiões, encontrado as palavras certas, lembrando que esta crise, e a inevitável queda de consumo, pode levar-nos a valorizar aspectos que no nosso dia-a-dia muitas vezes esquecemos. E que são muito mais importantes. Fê-lo, por exemplo, num Prós e Contras há algum tempo atrás, onde estavam vários professores universitários a falar da crise, mas foi olimpicamente ignorado – olhavam para ele como se fosse um ovni (lembro-me bem da expressão facial de João Salgueiro). 

Em terceiro lugar, é impossível não sentir desde logo repúdio pela imediata associação com a ideia da felicidade na pobreza da ditadura salazarista.

No fundo, a Isabel Jonet falou daquilo que a esquerda mais tem falado durante esta crise: da destruição da classe média. E a classe média não gosta de ouvir falar disso. 

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Exportações, ouro e combustíveis (Set 2012)


Num post anterior, a 11 de Outubro, apresentei um resumo da balança de mercadorias até agosto, excluindo o comércio com combustíveis e ouro. Atualizo os dados anteriores com os valores hoje publicados pelo INE, referentes a setembro. Como foi hoje noticiado, as exportações caíram 6,5% em setembro face ao mesmo mês do ano passado. Excluindo os combustíveis e o ouro a queda foi de 6,0%. A diferença maior é nas importações: queda homóloga total de -8,4% mas de -12,4% sem aquelas duas categorias de produtos, o que indica um abrandamento muito forte na procura interna. Em resultado, a variação homóloga do saldo da balança de bens, excluindo combustíveis e ouro, é semelhante à do mês passado (diminuição do déficit em -66,6%). 

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

O desastre da Televisão Digital terrestre em Portugal

A tese de Sérgio Denicoli já está disponível sobre a instalação da TDT em Portugal. Pode ser encontrada aqui. Quem não tem paciência para ler as 300 páginas pode ler apenas a conclusão, que está aqui: http://www.lasics.uminho.pt/ojs/index.php/TDT_Portugal/article/view/1067/1028
Se depois de ler as conclusões não sentir curiosidade para ler os capítulos que as sustentam é porque é muito pouco curioso/a.

Declaração de intenções

Não vou continuar a pagar a uma empresa para andar a perseguir colegas meus e condicionar futuros projectos de investigação. Sendo assim, hoje mesmo, tratarei de cortar com o MEO em minha casa.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Seguimos as pegadas da Grécia?

Dados sobre as economias resgatadas da zona euro
 
Em Maio de 2010, a Troika anunciou um plano de resgate para a Grécia. Seguiu-se a Irlanda em Novembro de 2010. Em Maio de 2011 foi a vez e Portugal ser resgatado. Em Julho de 2012, a Espanha obteve um plano de assistência especial para os seus bancos - e mais ajuda é esperada.
Uma das principais questões relativamente a estas economias é a seguinte: quão similar é a sua evolução? Por outras palavras, se analisarmos o comportamento de uma delas, seremos capazes de dizer o que aconteceu, o que está a acontecer, ou o que irá acontecer a outras economias? 
A Grécia tem estado no centro da crise da dívida soberana da zona euro. Credores privados do Estado Grego sofreram já perdas. A saída da zona é aí discutida de forma aberta. Em Portugal, muitas vozes têm manifestado preocupação em relação à possibilidade de as medidas de austeridade colocarem Portugal na senda da Grécia. Nuno Garoupa, por exemplo, escreveu recentemente no Jornal de Negócios que Portugal é a Grécia com um desfasamento de dezoito meses. 
De forma a avaliarmos as semelhanças que existem entre estas economias, eu e o Fernando Alexandre construímos uma webpage onde apresentamos dados sobre o comportamento das economias objecto de um plano de assistência da Troika. De facto, quanto mais similares à Grécia forem estas economias, mais o euro estará próximo do seu fim. 
À data em que escrevemos, os indicadores disponíveis na webpage mostram que a Grécia se destaca pela negativa, com excepção do indicador relativo à dívida privada, no qual a Irlanda apresenta o maior rácio relativamente ao PIB, e da posição de investimento internacional, em que Portugal apresenta o pior desempenho.

domingo, 4 de novembro de 2012

“Na prática”, em democracia não vamos lá


Ontem, numa conferência em Coimbra, Manuela Ferreira Leite (MFL) esclareceu o que pretendeu dizer um dia com a “suspensão da democracia”. “Na prática”, MFL não acredita que seja possível, “em democracia”, resolver os problemas estruturais do país. “Na prática”, isto já não se endireita sem uma ditadura, benévola e de curta duração, presumo eu:
"Aquilo que eu na altura disse [quando falou da suspensão da democracia por seis meses] e que, provavelmente, neste momento é atual, é que em situações de extrema complexidade em que para ultrapassar os problemas complexos não se vê outra solução do que enfrentar ou afrontar determinado tipo de corporações, determinado tipo de interesses, possivelmente isso não é muito possível, na prática, ser feito em democracia", argumentou a antiga governante.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

O capitalismo, os mercados de crédito, o modelo chinês e a proposta de Francisco Louçã


O Bloco de Esquerda, talvez para se distinguir do Partido Comunista, não inclui explicitamente nos seus objectivos o fim do capitalismo. Refere apenas a ‘busca de alternativas ao capitalismo’  e aina que defende e promove ‘a perspectiva do socialismo como expressão da luta emancipatória da Humanidade contra a exploração e a opressão’. Esta indefinição, associada ao charme burguês de muitos membros deste partido, causou-me sempre alguma perplexidade sobre o tipo de sistema económico e de sociedade subjacente àquele projecto político.    

Hoje, em entrevista ao jornal Público, Francisco Louçã defende que um Governo de esquerda (que não inclui certamente o PS nesta definição) tem que “controlar o crédito em Portugal”. E prossegue defendendo que

Esse controlo é necessário "para evitar o desvio da capacidade produtiva" e "a perda de investimento para a especulação financeira", que advém de existir "um sistema financeiro que se alimenta da especulação sobre o seu próprio país" (…) "Controlar o crédito é a medida essencial para ter uma política virada para o investimento."

Ou seja, parece-me que a alternativa apresentada pelo em breve ex-líder o BE é um sistema ‘capitalista’ do tipo chinês: controlo do crédito pelo Estado e aposta no investimento.

De facto, no pseudo-capitalismo da República Popular da China, a propriedade privada já é permitida. No entanto, falta-lhe um elemento fundamental do sistema capitalista: a livre iniciativa, de onde brota a inovação ou a ‘destruição-criadora’ como lhe chamou Schumpeter. Na China, a livre iniciativa está coarctada pelo controlo dos mercados de crédito pelo Estado, estando a escolha dos projectos de investimento nas mãos de burocratas, o que torna a corrupção num dos seus mais graves problemas. A China investe todos os anos, há décadas, cerca de 40% do rendimento, sendo o excesso de capital e a sua baixa produtividade são outro grave problema desta economia.

Em Portugal também temos o exemplo de algumas decisões absurdas da Caixa Geral de Depósitos, que nos podem dar uma ideia do tipo de problemas que poderiam resultar de termos o crédito nas mãos do Governo. Claro que esta proposta de Francisco Louçã assume certamente que os dirigentes estariam imunes a pressões e teriam a capacidade técnica de identificar os investimentos que garantiriam o crescimento da economia.

No entanto, é ainda importante recordar que para haver crédito para o Estado distribuir é preciso haver poupança, nacional e/ou internacional. Na China é nacional: a taxa de poupança aproxima-se de 50% do PIB, o consumo representa apenas cerca de 30% do PIB. Ou seja, o investimento é financiado à custa das famílias, que poupam porque não existe Estado Social e o crédito ao consumo é incipiente.

Em Portugal, com um Governo do tipo sugerido por Francisco Louçã, o crédito teria de ser alimentado por poupança nacional – embora falte informação, não são precisos especiais dons de predição para adivinhar o que aconteceria à classe média com este projecto.

Sendo necessário introduzir correções no funcionamento dos sistemas financeiros ocidentais, não acredito nesta alternativa de Francisco Louçã porque continuo a acreditar que o capitalismo é o melhor de todos os sistemas e o crédito bancário é essencial ao seu funcionamento. Recordo a esse propósito a definição de Capitalismo que Joseph Schumpeter escreveu para a Encyclopaedia Britannica:

“Uma sociedade diz-se capitalista se entregar a condução do seu processo económico à iniciativa privada. Pode dizer-se que isto implica, em primeiro lugar, propriedade privada dos meios de produção (…); em segundo lugar, implica produção por iniciativa privada (…); Mas, em terceiro lugar, o crédito bancário é tão essencial ao funcionamento do sistema capitalista que, apesar de não estar estritamente implicado na sua definição, deve ser acrescentado aos outros dois critérios.”